Um passo de cada vez
Diante de um câncer de mama, há inúmeras angústias e dúvidas a respeito da evolução da doença, tratamentos, efeitos colaterais e possíveis desfechos. Trazemos aqui um apanhado de dúvidas comuns com informações precisas dos especialistas da equipe multidisciplinar do Centro Especializado em Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz
De acordo com dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca), o ano de 2023 deve registrar cerca de 75 mil novos casos de câncer de mama em mulheres brasileiras. Graças aos avanços em tratamentos e medicações, grande parte das pacientes com diagnóstico precoce será curada. Mas é importante dizer: o tratamento do câncer de mama é multidisciplinar, afeta a mulher em diversas dimensões, pode ser relativamente longo e conter várias etapas. Por isso, a informação é um recurso importantíssimo para encarar essa jornada. A seguir, reunimos algumas das dúvidas mais comuns sobre a doença respondidas por especialistas do Centro Especializado em Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
É POSSÍVEL PREVENIR O CÂNCER DE MAMA?
Aqui vale dizer antes: prevenção e detecção precoce são coisas diferentes. Enquanto a detecção precoce, por meio de exames de diagnóstico periódicos, é fundamental para o sucesso do tratamento, a prevenção é um conjunto de hábitos saudáveis que podem colaborar para evitar o aparecimento ou crescimento de um tumor, situação em que podemos intervir – no entanto, é importante ressaltar: não existe prevenção primária. Porém, como os fatores ambientais podem ter um impacto importante, as ações preventivas devem ser mantidas ao longo da vida. De acordo com Inara Santos Nascimento Souza coordenadora de nutrição clínica do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, com atuação no Centro Especializado em Oncologia, a alimentação é um dos principais pontos de atenção quando falamos em prevenção. “Manter o peso adequado e a alimentação variada e saudável são ações chave na prevenção do câncer de mama. Principalmente em alguns subtipos hormonais, já que a alimentação tem impacto direto na secreção dos nossos hormônios”, diz Inara, que ressalta que a água também tem um papel indispensável nessa manutenção. “A ingestão hídrica é muito importante para todos nós. De forma geral, a recomendação diária para um adulto é de 35ml por quilo de peso. A água é fundamental para manter o metabolismo funcionando da maneira adequada, os órgãos, as glândulas etc.” E nada de dietas mirabolantes: alimentação saudável é comida de verdade. “Alimentos in natura, comida de feira, sabe? E, claro, evitar os industrializados”, ensina a nutricionista.
Entre as outras orientações estão praticar exercícios físicos regularmente – 150 a 300 minutos semanais de atividade moderada, de acordo com a Organização Mundial da Saúde –, ter sono de qualidade, evitar o fumo e o abuso de bebidas alcoólicas e manter o peso adequado. Especificamente nos casos de câncer de mama, um fator de risco associado é a terapia de reposição hormonal, por isso, recomenda-se evitar o uso prolongado de hormônios.
“Para a manutenção adequada da saúde, devemos seguir sempre o lema da boa alimentação: descascar mais e desembalar menos”
Inara Santos Nascimento Souza, coordenadora de nutrição clínica do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, com atuação no Centro Especializado em Oncologia
A DETECÇÃO PRECOCE FAZ DIFERENÇA MESMO?
Esta é uma velha máxima fundamental: quanto mais cedo o câncer for detectado, maiores as chances de cura. Nesse sentido, realizar os exames periódicos de acordo com a recomendação do seu médico para o seu perfil é extremamente importante, já que, em fase inicial, o câncer de mama costuma ser silencioso. “A doença no início não produz nenhum sintoma, é totalmente indolor. Algumas pacientes percebem porque o nódulo está mais próximo à pele, mas tumores mais profundos e menores de 2 centímetros só podem ser vistos na mamografia”, explica o Dr. Ricardo Caponero, oncologista clínico do Centro Especializado em Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz. “No geral, a mulher só vai passar a apresentar sintomas quando a doença estiver mais avançada, como alteração ou retração do mamilo com secreção purulenta, vermelhidão e inchaço na mama, presença de gânglios ou linfonodos, que indicam que o câncer está em fase de disseminação.”
Hoje, preconiza-se a mamografia anual para mulheres a partir dos 40 anos. No entanto, com a incidência cada vez maior de câncer de mama em mulheres mais jovens, é interessante fazer o acompanhamento com o médico ginecologista e, com base no histórico individual, definir o manejo mais adequado.
90% dos casos de câncer de mama diagnosticados na fase inicial têm cura
A CIRURGIA É PARA TODO MUNDO?
Nos casos de câncer de mama, sim, mas existem procedimentos diferentes para cada estágio ou fase da doença. Hoje, a mastectomia, que é a retirada completa da mama, não é a recomendação absoluta para todos os casos – dependendo do tipo e subtipo tumoral, do tamanho do tumor, e principalmente da relação tamanho de mama e tamanho de tumor, é possível a cirurgia mais conservadora, na qual se preserva a mama. “A cirurgia do câncer de mama tem evoluído muito. Quanto mais conhecemos a doença, melhores e mais personalizados ficam os tratamentos”, diz a Dra. Maria Socorro Maciel, mastologista do Centro Especializado em Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz. “Antigamente, acreditava-se que a doença se espalhava de forma ordenada da mama para a axila, então era uma cirurgia extremamente radical. Foi apenas depois da década de 80, com um conhecimento mais aprofundado sobre a biologia do tumor, que surgiu o tratamento conservador.” Em tumores em que a relação entre tamanho de tumor e tamanho de mama é adequada, e seguindo o subtipo tumoral, principalmente nas lesões detectadas no exame de imagem, é possível remover apenas o tumor com margem, avaliando a axila por meio da pesquisa do linfonodo sentinela, outro ganho em qualidade de vida e redução de efeitos colaterais do tratamento. “Esse procedimento, chamado inicialmente de quadrantectomia ou setorectomia ou lumpectomia, é equivalente à retirada total da mama em termos de sobrevida, associado à radioterapia”, diz a especialista.
Outra dúvida muito comum é sobre a cirurgia de reconstrução da mama, a cirurgia oncoplástica. Atualmente, além das técnicas para a paciente que foi submetida à lumpectomia, também é possível reconstruir a mama que passou pela mastectomia. “Temos técnicas tanto para o tratamento conservador bem como para a reconstrução da mama imediata, com implantes de silicone, expansores ou retalhos musculares e, dependendo da localização do tumor, a preservação do complexo aréolo-papilar (aréola e mamilo)”, diz a Dra. Maria do Socorro. A mastologista conta também que a oncoplastia, em alguns casos, traz mais segurança ao médico durante a cirurgia, sabendo que aquela mama poderá ter resultados cosméticos e oncológicos satisfatórios e seguros.
“Para a manutenção adequada da saúde, devemos seguir sempre o lema da boa alimentação: descascar mais e desembalar menos”
Dra. Maria Socorro Maciel, mastologista do Centro Especializado em Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz
QUAIS AS DIFERENÇAS ENTRE RADIOTERAPIA E QUIMIOTERAPIA?
Entre os muitos tratamentos para o câncer, a radioterapia e a quimioterapia são os mais conhecidos. Mas nem todo mundo sabe a diferença entre eles e a indicação de cada um.
De modo geral, a radioterapia tem aplicação localizada, na área do tumor, e consiste em radiações que eliminam as células doentes. É indicada para cânceres que não se disseminaram e como complemento ao procedimento cirúrgico.
“Historicamente, a radioterapia entrou para reduzir os casos de mastectomia, que é a retirada completa da mama. Antigamente, a cirurgia conservadora, em que você só tira a lesão com uma margem de segurança, dava um índice de recidiva mais alto do que de uma mastectomia. E a adição da radioterapia à cirurgia conservadora proporcionou à técnica a mesma segurança da radical”, explica o Dr. Rodrigo Hanriot, radioterapeuta do Centro Especializado em Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
Área que avançou bastante nos últimos anos, hoje, a radioterapia apresenta métodos muito eficientes e que reduzem consideravelmente a exposição da paciente à radiação e a necessidade de frequentar as sessões por semanas ou meses, interferindo menos na sua rotina. Um deles é o Halcyon™, acelerador linear de partículas que une a tecnologia mais moderna de irradiação com a técnica mais precisa de localização diária, o IGRT (radioterapia guiada por imagem, na sigla em inglês) – isso se converte em sessões mais rápidas e em menor número, danos mínimos aos tecidos saudáveis e máxima irradiação ao tumor. Outro equipamento que apresenta uma eficácia elevada é o Intrabeam®, indicado para cânceres de mama em estágio inicial. Trata-se de uma radioterapia intraoperatória em dose única – ou seja, logo após a cirurgia, o equipamento é aplicado no lugar onde estava o tumor e, entre 20 e 30 minutos, seu acelerador linear em miniatura irradia a área periférica do tumor. O procedimento diminui possíveis efeitos colaterais da radioterapia convencional, como fadiga, vermelhidão na região, sensibilidade ou alteração na cor da pele, e evita a irradiação de pulmão e coração. “Além de melhorarem a qualidade de vida da paciente, essas tecnologias também são pensadas para preservar a saúde a longo prazo. Hoje, as pessoas estão vivendo mais e com tendência a apresentar câncer mais cedo. Então, se antes o foco era imediatista, salvar a vida daquela paciente naquele momento, a tecnologia evoluiu a ponto de definirmos um tratamento que leva em conta o hoje, o futuro próximo e o futuro distante”, diz o médico.
Já a quimioterapia tem ação sistêmica, ou seja, age em todo o corpo. Por isso, é recomendada em tumores com potencial mais agressivo ou metástases, quando a doença já se disseminou. “No geral, a quimioterapia é indicada em dois cenários macros: quando se trata de uma lesão agressiva, que, mesmo em estágio inicial, apresenta crescimento acelerado; e quando a lesão é diagnosticada tardiamente e, mesmo não sendo agressiva, já se espalhou”, explica o Dr. Rodrigo. Outra diferença é que, enquanto a radioterapia ataca as células por meio da radiação, tendo aplicação local, a quimioterapia é medicamentosa e pode ser feita por meio de aplicação intravenosa, subcutânea ou por via oral, a depender do tipo de tumor, tratamento escolhido e fármaco.
“A radioterapia apresenta métodos muito eficientes e que reduzem consideravelmente a exposição da paciente à radiação e a necessidade de frequentar as sessões por semanas ou meses, interferindo menos na sua rotina”
Dr. Rodrigo Hanriot, radioterapeuta do Centro Especializado em Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz
O TRATAMENTO DO CÂNCER DE MAMA PODE INTERFERIR NA FERTILIDADE DA MULHER?
Sim, mas existem alternativas que devem ser previamente discutidas com seu médico, como a possibilidade de preservar os óvulos. Antes, vamos a alguns dados relevantes sobre esse tema: o tratamento quimioterápico pode gerar infertilidade em quase 50% das pacientes que estão em idade reprodutiva. “A quimio afeta tanto as células cancerígenas quanto as saudáveis. A seleção é sobre células que estão se replicando, por isso a queda do cabelo é um efeito colateral comum, e o mesmo acontece com os óvulos. Então o tratamento quimioterápico pode induzir a menopausa quimicamente”, diz a Dra. Taciana Mutão, oncologista clínica do Centro Especializado em Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
Em resposta a isso, as técnicas de preservação de óvulos e embriões também avançaram bastante, incluindo os protocolos para pacientes oncológicas, que podem induzir a ovulação em menos de 15 dias. “Além disso, existe um medicamento que inibe a função ovariana, protegendo-a durante o tratamento”, acrescenta a oncologista.
A terapia hormonal, tratamento normalmente recomendado para tumores de subtipo luminal – ou seja, que se caracterizam pela superexpressão de receptores hormonais (estrógeno e progesterona) –, também pode interferir na vida fértil da mulher, uma vez que, como a quimioterapia, tem ação sistêmica. Neste caso, é preciso ter um olhar cuidadoso e individualizado, já que a hormonioterapia, que consiste em suprimir o crescimento do tumor ao retirar o hormônio de circulação, tem duração de cinco anos. “No entanto, estudos atuais já mostram que, dependendo da evolução do tratamento, é possível pausá-lo para a mulher poder engravidar e, dois ou três anos depois, retomar a medicação”, explica a Dra. Taciana. Um dos estudos mais recentes, o Positive, demonstrou que a pausa hormonal durante três anos foi segura do ponto de vista oncológico, e que cerca de 75% das pacientes conseguiram engravidar durante o período de acompanhamento.
Além da evolução em tratamento e tecnologias para combater a doença, a medicina também avançou bastante no cuidado, trazendo um olhar mais humanizado para o impacto do câncer na vida da paciente para além da sua saúde física, proporcionando a possibilidade de fazer escolhas que preservam seus planejamentos de vida, como o desejo de ser mãe.
DÁ PARA LEVAR UMA VIDA NORMAL DURANTE O TRATAMENTO?
Sim, mas é fundamental respeitar seus limites. “A resposta ao tratamento varia de mulher para mulher, algumas sentem mais os efeitos adversos, outras, menos. Mas, no geral, dá para seguir sua rotina anterior com algumas restrições”, diz o Dr. Caponero. “Pacientes que já tinham hábitos mais saudáveis, mais jovens, podem se sentir melhor, e a tolerância aos medicamentos também vai aumentando ao longo do tempo.”
Além disso, o médico ressalta que os tratamentos avançaram muito, abrandando os efeitos colaterais – sejam eles transitórios ou permanentes. “Os efeitos adversos da quimioterapia, por exemplo, são menos intensos e menos frequentes do que antigamente, permitindo que a paciente consiga lidar melhor com a medicação. Além disso, existem fármacos e tratamentos que ajudam a amenizar os efeitos colaterais mais comuns, como náusea, fadiga e até queda de cabelo”, diz.
E, para a preservação da qualidade de vida, o Dr. Ricardo destaca que o olhar multidisciplinar e individualizado é essencial. “Nós temos diversos profissionais no Centro Especializado em Oncologia do Hospital – oncologistas, cirurgiões, enfermagem, nutricionista, psicóloga, farmacêutica, entre outros. Todos os profissionais são muito importantes não só para garantir o sucesso do tratamento, mas para tornar essa jornada mais confortável e segura para a paciente”, ele diz.
“Você não trata o câncer, trata a pessoa. E nós cuidamos das pessoas”
Dr. Ricardo Caponero, oncologista clínico do Centro Especializado em Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz