Vinte de fevereiro é reconhecido como o Dia Nacional de Combate às Drogas e ao Alcoolismo, dedicado à conscientização sobre os perigos do uso de drogas e do álcool. E não é para menos: estamos falando de uma data próxima às festividades carnavalescas. Todavia, enquanto todo carnaval tem seu começo, meio e fim para a população geral, o problema do consumo de drogas lícitas e ilícitas, não.
Uma pesquisa da Fiocruz revela que o consumo de álcool no Brasil atinge cerca de 17% da população, com aumento de 30% entre os anos de 2012 e 2022. Em 2019, a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, do IBGE, identificou que mais de 60% dos estudantes de 13 a 17 anos responderam que ingeriram álcool em algum momento nos 30 últimos dias do preenchimento do questionário. Em nosso país, estima-se que 3,5 milhões de pessoas são dependentes de drogas, conforme dados da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas.
Podemos afirmar que vivemos uma epidemia de transtornos relacionados ao consumo de drogas em nível global. O Relatório Mundial sobre Drogas de 2023, elaborado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, destaca algumas tendências importantes sobre o uso de drogas entre jovens e idosos, dois grupos com distintas vulnerabilidades.
Enquanto a população jovem é particularmente vulnerável (estima-se que 16% dos adolescentes em todo o mundo tenham algum tipo de transtorno mental) por características que englobam pobreza, desemprego, falta de acesso à educação, violência e influências sociais, nota-se também o aumento do consumo de drogas pela população idosa, propiciado principalmente por problemas de saúde, isolamento social, perdas e dificuldades financeiras.
Hoje, sabemos que há uma tendência de aumento global no número de usuários de drogas em todo o mundo, tanto entre jovens, quanto entre idosos. Da mesma forma que o número de pessoas que sofrem de transtornos relacionados ao uso dessas substâncias também tem aumentado em ambos os grupos etários.
Estima-se, por exemplo, que o consumo de bebidas alcóolicas representou um custo para o Brasil da ordem de R$ 18,8 bilhões em 2019, somando despesas diretas, com tratamento e internações, e as indiretas,com perda de produtividade por mortalidade prematura, licenças e aposentadorias precoces, perda de dias de trabalho por internação hospitalar e licença-médicaprevidenciária. Para efeito comparativo, no mesmo ano, o custo do Programa Social Bolsa Família foi de R$ 33 bilhões.
É crucial entendermos que o problema das drogas é muito maior do que um apanhado de medidas de intervenção genéricas em saúde pública. O enfrentamento desse problema depende da capacidade de compreendermos as particularidades de nossa sociedade e, principalmente, as mazelas de nosso país.
Por exemplo, enquanto o consumo de drogas entre adolescentes é iniciado frequentemente de forma experimental e influenciado pela pressão de grupos de influência, para o idoso, o consumo de drogas abrange mais os problemas crônicos de saúde, tanto físicos como mentais, bem como o seu isolamento e perda de sentido funcional social.
Para a prevenção no grupo dos jovens, a presença do Estado garantindo segurança pública, serviços, previsibilidade de resultado com o investimento no desenvolvimento humano, bem como espaços sadios de convivência social e de investimento educacional para a produtividade de recém-ingressos no mercado de trabalho são os pilares estruturais das políticas preventivas. Em contrapartida, a prevenção do uso de drogas em idosos envolve a garantia de seu poder econômico durante a aposentadoria, a construção de espaços urbanos amigáveis ao seu uso, bem como a garantia do suporte às demandas específicas da senescência.
O combate às drogas diz respeito não só a qualidade da assistência em saúde, mas também ao enfrentamento do narcotráfico e de seu poder paralelo, da corrupção de nossas instituições, da punição de todos os estratos sociais responsáveis pela comercialização ilegal, das condições de saúde e educação de nossa sociedade, do respeito aos direitos humanos, da estabilidade social e crescimento econômico. Não há solução para a doença de nossa sociedade enquanto brincamos de Colombina e Pierrot.
Médico psiquiatra, coordenador do Serviço de Psiquiatria do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.