O CAMINHO DA LONGA VIDA

Estamos vivendo mais, mas não necessariamente melhor. Enquanto a ciência ainda corre atrás do gene da longevidade e a sociedade tenta entender o impacto dos anos a mais na economia e na saúde, a medicina garante que, quanto mais cedo se pensar na velhice, melhor ela será

Washington Luís era o presidente do Brasil quando Elvi Donini Pinhel veio ao mundo, no dia 1º de junho de 1928. A expectativa de vida de uma pessoa que nascia naquela época era de meros 36 anos. Aos 91 anos, e com uma memória excelente a ponto de se lembrar dos 23 presidentes brasileiros que testemunhou ao longo de sua vida, dona Elvi superou em 55 anos a expectativa de vida de sua geração. Professora apo – sentada pelo Estado de São Paulo, ela supera até mesmo a projeção de quem está nascendo agora, em 2019: de 80 anos para mulheres.

Embora tenha se aposentado em 1985, aos 57 anos, Elvi ainda trabalha. Todos os dias, das 9h às 15h, ela dá expediente em uma associação de professores aposentados, rotina que leva desde que encerrou a carreira como docente, iniciada na zona rural de Andradina, interior paulista, até a última sala de aula em que lecionou, já na capital. Trabalhar aos 91 anos não é cansativo? “Fico um pouquinho cansada, sim, mas faz parte, né?” Em casa, ainda faz tricô e crochê e adora cozinhar para a família – são três filhos e dois netos.

Apesar de sempre ter se alimentado bem, ser física e intelectualmente ativa – só largou o pilates porque a aula mudou de horário e ela não queria abrir mão do trabalho –, Elvi é uma exceção: é o que os pesquisadores e médicos chamam de geneticamente favorecidos – ou sortudos. “É o ganhador da loteria, que não só vive muito como vive bem”, define o Dr. Omar Jaluul, geriatra do Hospital Alemão Oswaldo Cruz. Tirando esses poucos, todos os outros têm que suar a camisa se quiserem ter uma vida longa e próspera. “Longevidade é 30% componente genético e 70% estilo de vida”, completa o especialista.

“Suar a camisa” significa seguir a cartilha básica da vida saudável para qualquer idade: ter boa alimentação, praticar atividade física, investir em cuidados preventivos, como fazer check-up médico regularmente, e cultivar boas relações sociais. Inclui, ainda, não ter vícios – cigarro, álcool e açú – car são, sim, os grandes vilões da vida saudável. E pequenas mudanças de hábitos já impactam na vida de quem tem mais de 60 anos. Comer mais “gordura boa”, aquela do azeite de oliva, do abacate e das oleaginosas, ajuda a proteger o coração e fortalecer o sistema nervoso central. Além de menos açúcar, menos sal também é a regra, em especial para quem tem hipertensão e problemas renais. Aumentar o consumo de fibras garante o bom funcionamento do intestino que, como todo o corpo no processo de envelhecimento, fica mais lento.

Exercício físico considerado ideal é aquele que se encaixa melhor na rotina e no gosto de cada um, mas os especialistas são unânimes em relação a uma certeza: musculação se torna cada vez mais essencial conforme os anos se passam. “A partir dos 30 anos, a gente já começa a perder massa muscular”, explica Dr. Jaluul. Atividade física também é uma aliada do bom sono. Muitos idosos se queixam da perda da qualidade do sono, o que, em parte, é do próprio processo de envelhecimento. No entanto, comer coisas pesadas à noite, tirar sonecas ao longo do dia e diminuir as atividades da rotina contribuem para um sono pior. Manter-se ativo, como se pode ver, é essencial para estar bem não apenas durante o dia, mas também na hora de dormir.

Dr. Jaluul lembra ainda que é preciso colocar nessa equação o planejamento da vida financeira, afinal, se vivemos mais, precisamos ter dinheiro para bancar esse tempo extra. “Se fizermos tudo isso, a chance de vivermos mais e com qualidade é maior”, diz o médico. E, de preferência, recomenda-se não deixar para começar a fazer isso aos 60 anos – se nos planejarmos desde os 30, 40 anos para a velhice, mais preparados estaremos para ela.

A longevidade daqui, dali e do lado de lá

JAPÃO
Maior taxa de expectativa de vida: 83 anos

SERRA LEOA
Menor taxa de expectativa de vida: 47 anos

MÉDIA MUNDIAL
71 anos

BRASIL
Expectativa geral: 75,8 anos
Estados onde os brasileiros vivem mais:
Santa Catarina: 79,1 anos
Espírito Santo: 78,2 anos
Distrito Federal: 78,1 anos
São Paulo: 78,1 anos
Estados onde os brasileiros vivem menos:
Maranhão: 70,6 anos
Piauí: 71,1 anos

QUEM VIVE MAIS?

Em linhas gerais, os países mais longevos são os que investem em políticas públicas na área de saúde e prevenção. Em Cingapura, onde se vive bastante como no Japão, álcool e cigarro são sobretaxados e caros, o que inibe os maus hábitos. Na Espanha, onde a média é de 82,8 anos, a siesta faz diferença: a longa pausa do almoço não é só para dormir, mas para comer sem pressa, permitindo uma boa digestão. Na Coreia do Sul, o primeiro país que caminha para uma expectativa de vida de 90 anos, além do amplo acesso a um bom sistema de saúde, o segredo está na dieta rica em fermentados, que ajudam a diminuir o colesterol e aumentam as defesas imunológicas.

Enquanto puder me locomover, quero viver. A vida é muito interessante e sempre há algo novo para aprender”

Marlene Briggs,
77 anos

MENTE ABERTA

Marlene Briggs Lins, de 77 anos, acha que tudo começa na mente. “Se você coloca na cabeça que está velho, você fica velho”, diz. Desde nova, ela fazia questão de se abrir ao mundo, às novidades. Como se casou muito cedo, aos 15 anos (aos 20 já tinha quatro filhos), com um homem muito mais velho em um matrimônio decidido mais pela família do que por ela, Marlene aprendeu a brigar pelas coisas que queria. Fez faculdade de administração em uma turma na qual ela era uma das quatro mulheres entre 40 homens. Separou – se com quatro filhos pequenos em um tempo em que o divórcio ainda se chamava desquite, e foi à luta no mercado de trabalho para se sustentar.

Marlene nunca fumou, não bebe, sempre fez muita ginástica e come de tudo um pouco – bem pouco. Trabalhou até os 70 anos e, hoje, faz só o que gosta: cozinhar, receber netos e filhos em casa, usar o computador e andar pela cidade, de metrô, atrás de exposições e eventos. “Enquanto puder me locomover, quero viver. A vida é muito interessante e sempre há algo novo para aprender”, conclui.

Segundo a psicóloga Graça Câmara, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, a tendência, com o avanço da cidade, é de se isolar socialmente. Isso acontece por causa das limitações que vão sendo impostas, pelo próprio corpo e pela sociedade. “Os jovens perdem a paciência com os mais velhos e, muitas vezes, as famílias os colocam no lugar de ‘os improdutivos da casa’”, diz. Para a especialista, é fundamental que o idoso não se coloque nessa posição e tente, conforme os anos passam, buscar novas fontes de prazer que substituam as antigas. “Nem todo mundo precisa correr uma maratona aos 70 anos para reinventar a velhice, às vezes uma simples volta no quarteirão ou um dominó com os amigos à beira-mar podem se revelar boas fontes de prazer.”

Artemio Furlan Filho, mais conhecido como Dr. Furlan, sentiu o baque da perda da autonomia. Aos 92 anos, lamenta que os filhos lhe tiraram o carro. “Todo velho reclama de ser dependente dos outros”, diz. Por outro lado, Dr. Furlan descobriu uma coisa nova em sua vida: o tempo. Ginecologista e obstetra que até os 86 ainda realizava partos (foram mais de mil, calcula), hoje ele tem tempo para sair com a esposa, com quem está casado há 60 anos, fazer exercício e passear com os dois cachorros pelo bairro que. O médico, que só visita médico por insistência da mulher (“Ela me pega pela orelha”), toma apenas remédio para pressão. Usa computador, em especial quando quer tirar dúvidas, mas não gosta de smartphone. Ler o jornal impresso, do qual é assinante há décadas, é sua atividade matinal favorita.

Barzilai conduz um estudo com centenários sobre o uso de um remédio usado originalmente para diabetes, a metformina. Isso porque estudos anteriores mostraram que o medicamento, de custo baixo e efeitos colaterais conhecidos (como diarreia, náuseas e gosto metálico na boca), tem essa capacidade protetora que Mayana busca na genética: ajuda a retardar as doenças inimigas da vida longa, como hipertensão, diabetes, doença cardiovascular, câncer, Alzheimer e outras.

Homens x mulheres

De fato, as mulheres vivem mais. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2016, a média da expectativa de vida ao nascer da população mundial era de 74 anos para mulheres e de 69 anos para homens. No Brasil, segundo o IBGE, para quem está nascendo neste ano, a expectativa de vida é de 80 anos para mulheres e de 73 anos para homens. Há explicações biológicas e comportamentais para isso. O fato de a mulher ser formada pelo cromossomo X duplicado faz dela biologicamente mais forte – o segundo X é como se fosse uma cópia de segurança para possíveis defeitos genéticos no primeiro. Na adolescência, de novo a mulher leva vantagem: o estrogênio, hormônio sexual feminino, tem efeito antioxidante no corpo, impedindo o envelhecimento das células, e ainda facilita a eliminação do colesterol ruim. Por fim, as mulheres frequentam mais médicos que os homens. A ação preventiva é uma das atitudes amigas da longevidade.

“Todo velho reclama de ser dependente dos outros”

Artêmio Furlan Filho, 92 anos

Cuidados integrativos

Cuidados integrativos

“Precisamos trocar o termo paliativo por integrativo”, avisa o Dr. Ricardo Caponero, oncologista e coordenador do Centro Avançado de Terapia de Suporte e Medicina Integrativa (CATSMI), do Centro Especializado em Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.

A mudança não é só de nome ou de narrativa, é de postura. De acordo com o especialista, além de o termo “paliativo” deixar pacientes e famílias assustados, como se fosse sinônimo de fim da linha, existe uma nova postura médica focada em olhar para o paciente em estado grave ou terminal como uma vida que precisa de atenção e qualidade. “Se a pessoa tiver apenas mais um dia de vida, o que podemos fazer para que esse seja um dia com qualidade?”, questiona o Dr. Caponero. Outra mudança é que os profissionais não olham mais só para a reta final, mas para o tratamento como um todo. “Você ter uma equipe focada nisso, com a inclusão de práticas integrativas como meditação, ioga e aromaterapia, ajuda na qualidade de vida em etapas anteriores, como na quimioterapia, no caso de um câncer, por exemplo.

”A família e, em especial, o cuidador do enfermo também devem ser abraçados pela equipe hospitalar. A abordagem citada pelo Dr. Caponero é também a do Hospital Alemão Oswaldo Cruz como um todo, em especial para o paciente idoso. O Dr. Antonio da Silva Bastos Neto, superintendente médico da Instituição, reforça a importância do cuidado do paciente ser realizado de forma integrada e com olhar holístico. “O tratamento deve ir além da doença. O paciente precisa se sentir acolhido e seguro de que há uma equipe preparada para atendê-lo desde o primeiro contato.” Ele dá um exemplo da importância dessa postura: “O idoso tem muita perda muscular, de forma que ele não pode entrar no hospital para tratar uma pneumonia e perder massa muscular porque não teve o acompanhamento adequado. Por isso, é essencial que os profissionais da saúde – nutricionista, fisioterapeuta, enfermeiro, médico etc. – atuem em conjunto”. Com o objetivo de criar vínculos com pacientes e famílias, ensinando como se faz a automedicação para quando o paciente voltar para casa, a Instituição foi pioneira em oferecer um modelo assistencial próprio. Para acolher as famílias desses pacientes, que muitas vezes também são idosos, foi criada a Sala da Família, espaço onde acompanhantes podem realizar atividades para ajudar a relaxar, como ioga.

A tecnologia também é usada para lidar com esse público, seja na agilidade da triagem telefônica, para poupar tempo perdido e estresse desnecessário, seja nos sensores instalados nas camas dos pacientes, para evitar o risco de quedas. “O Hospital se preparou para isso por meio de processos e políticas institucionais”, diz o Dr. Antonio. O resultado foi a conquista, com qualificação plena, do Selo Hospital Amigo do Idoso, certificado da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, que tem como objetivo incentivar e apoiar a qualificação geronto-geriátrica dos hospitais como referência assistencial que inclui, valoriza e preserva a autonomia e a independência dos idosos.

CIÊNCIA DA LONGEVIDADE

Enquanto a medicina alerta os mais jovens para que invistam em um bom envelhecimento, a ciência tenta descobrir qual é a fórmula da vida longa e com qualidade. A geneticista brasileira Mayana Zatz, da Universidade de São Paulo, está trabalhando em uma pesquisa com 1,3 mil genomas de pessoas longevas saudáveis, como Elvi e Dr. Furlan, em busca dos chamados “genes protetores” – que impedem o desenvolvimento de doenças inimigas da vida longa. O objetivo é copiar esse mecanismo e replicar no grupo dos “não sortudos”. Em Nova York, o pesquisador israelense Nir Barzilai conduz um estudo com centenários sobre o uso de um remédio usado originalmente para diabetes, a metformina. Isso porque estudos anteriores mostraram que o medicamento, de custo baixo e efeitos colaterais conhecidos (como diarreia, náuseas e gosto metálico na boca), tem essa capacidade protetora que Mayana busca na genética: ajuda a retardar as doenças inimigas da vida longa, como hipertensão, diabetes, doença cardiovascular, câncer, Alzheimer e outras.

A VELHICE NA PONTA DO LÁPIS

Todo mundo quer viver mais – e melhor – e a ciência investe na busca dos anos a mais. No entanto, existe outra discussão, ética e socioeconômica, em torno da longevidade: o que significa viver cada vez mais em uma sociedade que gera cada vez menos crianças? Quais os impactos econômicos?  

O mundo terá 2 bilhões de idosos em 2050. Em 2014, a Organização Mundial da Saúde disse que envelhecer bem deve ser prioridade global. E alertou: “A menos que os sistemas de saúde encontrem estratégias eficazes para resolver os problemas enfrentados por uma população mundial mais envelhecida, a crescente carga de doenças crônicas vai afetar muito a qualidade de vida dos idosos”. Estamos preparados para isso? “Não estamos. A gente já envelheceu muito rápido nos últimos 70 anos e as políticas públicas não acompanharam essa mudança”, afirma o Dr. Jaluul. Da mesma forma que, citando o conhecido ditado africano, é necessária toda uma comunidade na criação de uma criança, o envelhecimento de um cidadão também é uma questão que diz respeito a todos. Afinal, quem não quer viver mais – e melhor?

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