"Quando se fala ESG, devíamos acrescentar um "S" para Saúde", diz infectologista

Data: 05/10/2022 Publicado em: O Globo Online

Stefan Cunha Ujvari diz que, para combater doenças infecciosas, é preciso estar alerta para as injustiças sanitárias e não apenas a climática.

Além do crachá do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, onde é infectologista, o nome de Stefan Cunha Ujvari costuma ser visto também nas livrarias. Autor de “A História da Humanidade Contada Pelos Vírus”, “Meio Ambiente e Epidemias”, entre outros, Ujvari, que é mestre em doenças infecciosas pela Escola Paulista de Medicina, diz que não é possível dissociar mudanças climáticas, desigualdades sociais e desmatamentos ao surgimento de novas pandemias. Negligenciar essa correlação é abrir caminho para novas infecções, alerta.

É consenso que não se trata de saber se haverá novas epidemias e sim de quando elas chegarão. O que fazer para minimizá-las?

No exato momento em que conversamos está acontecendo o avanço de dois novos tipos de vírus que saíram do Pará e que já circulam por Bahia, Minas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo. Um é o mayaro e o outro é o oropouche. Quem transmite é o Aedes aegypti.

Vamos começar a conversa com seguinte informação: somos 8 bilhões de humanos que precisam se alimentar, habitar. Isso já implica números recordes de desmatamento e crescimento veloz da urbanização em todas as partes do mundo, especialmente nos países mais pobres. Quando desmatamos, entramos em contato, ou trazemos para perto, animais selvagens que são portadores de vírus. Não tem segredo.

A conta não fecha…

A conta não fecha porque temos pelo menos dois pontos cruciais: primeiro negligenciar a relação de causa e efeito entre pobreza, desmatamento e o surgimento de doenças infecciosas. A febre amarela voltou a circular desde 2017 no Brasil. Por que a febre amarela explodiu? Por conta dessas “fronteiras” abertas. Fala-se em injustiça climática. Pode acrescentar injustiça sanitária. Todo mundo paga a conta.

A negligência está na falta de combate ao desmatamento?

Não só. Desde a década de 1970, a Nigéria não registrava qualquer caso do monkeypox (varíola dos macacos), que vive em roedores. Em 2017, apareceram os primeiros casos por lá. Em 2018, o número de casos cresceu. Ninguém deu bola. Só ligaram o alerta quando registraram um caso em Israel, outro nos EUA e quatro no Reino Unido. Só que já era tarde. É muita ingenuidade acreditar que as doenças que surgem na África ficarão por lá e que basta cuidar do meu quintal.

Qual é o caminho para equilibrar produção agrícola, pecuária e preservação ambiental?

Do ponto de vista estritamente produtivo, temos as agroflorestas que estão crescendo em importância por aqui. Produzir e preservar é possível? Sim, e essas técnicas mostram isso. A agricultura e a pecuária no Brasil são muito bem regulamentadas e fiscalizadas do ponto de vista sanitário, embora não se possa dizer o mesmo sobre o desmatamento.

Com mais de 15 milhões de mortos pela Covid no mundo, não deveríamos ter medidas preventivas em nível global?

Sim e a OMS [Organização Mundial da Saúde] já preparou vários protocolos. O problema é que não se dá a devida atenção ao tema. Você percebe uma mobilização muito grande em torno dos efeitos das mudanças climáticas, mas não vê a mesma mobilização quando o tema é saúde.

Quando se fala de ESG, acho que deveríamos acrescentar um “S” para Saúde. O social deve ir além de diversidade e inclusão. Precisa tratar da pobreza como um problema de saúde pública. As injustiças climáticas alcançam o mundo, e as injustiças sanitárias também.

Quais são as ameaças sanitárias mais iminentes?

Lembra do Mers [Síndrome Respiratória do Oriente Médio]? Todos os anos há casos de Mers. Este ano houve um no Catar, onde vai ocorrer Copa do Mundo. Esse vírus vem do camelo. Provavelmente vão levar mais camelos para o Catar para os turistas passearem. Será que vai haver mais aumento de casos de Mers?

Um paciente na Coreia teve Mers. Ele passou por três hospitais, sem diagnóstico. Por quê? Porque aquele vírus era típico de uma região muito distante da Coreia,e demorou até que se fizesse o diagnóstico correto. O mesmo ocorreu com o monkeypox.

O coronavírus continuará sendo nosso maior problema?

Além de haver pasto, agricultura, há os animais de criação. Este é o nosso maior problema. Por quê? Quando se fala de influenza, que infecta vários animais, o reduto do vírus são as aves. Os tratadores de aves e os trabalhadores em mercados pegam aves contaminadas.

Em 2002, houve um El Niño violento, que causou grande seca no Quênia. O pessoal do interior migrou para a cidade de Lamu. Essas pessoas levaram uma doença que era frequente no interior para uma cidade litorânea, que tinha muito Aedes aegypti . Dali ela se espalhou para a costa da Índia, para Oceania, a partir de 2005. Sabe que doença é essa? Chikungunya. As ameaças estão por todo canto.

Só campanha educativa é suficiente?

Parece pouco, mas não é. Água pode causar diarreia? Pode. E o gelo também, porque bactérias sobrevivem ali. Vai fazer um cruzeiro? Cuidado com a máquina de gelo. Quais animais oferecem risco quando você vai fazer uma trilha? Como tirar carrapato da pele? Não pode espremer se não ele se estressa e solta mais fluido na pele. Há uma gama de coisas do dia a dia em que campanhas educativas dentro das empresas podem fazer diferença. E, obviamente, tratar as ameaças sanitárias com a dedicação que se fala em alterações climáticas.

O que o próximo governo deve priorizar para lidar com eventuais epidemias no país?

O padrão a se observar é o dos países asiáticos. Eles correram o risco daquela epidemia de 2003, da Sars [Síndrome respiratória aguda grave]. Eram 9 mil casos, com 10% de morte . Na ocasião, prepararam todos os protocolos para quando aparecesse outro tipo de vírus. E quando surgiu o coronavírus, tinham a estratégia pronta. E ainda fizeram campanhas na TV e incentivaram jovens a prestar serviços aos mais idosos, o espírito coletivo, que não temos muito no Ocidente.


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