A palavra ‘câncer’ assusta, mas o perigo mesmo mora na desinformação. Conversamos com o Dr. Maurício Muniz, cirurgião oncológico do Centro Especializado em Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, e trazemos aqui informações fundamentais sobre o câncer de pele
O câncer de pele é um dos mais prevalentes no Brasil, respondendo por 33% de todos os diagnósticos da doença no país. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), a cada ano, são cerca de 185 mil novos casos.
E você sabe por que este câncer é tão comum por aqui? “Vivemos em um país próximo à linha do Equador, isso significa que a nossa exposição aos raios solares é muito maior”, explica o Dr. Maurício Muniz, cirurgião oncológico do Centro Especializado em Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz. Além disso, o Brasil é muito miscigenado, com etnias diversas, que vão das pessoas negras (pardas e pretas), que constituem mais da metade da população brasileira, às pessoas brancas, descendentes de europeus. “A genética dos europeus vem dos pólos do planeta, ou seja, são pessoas que se desenvolveram para priorizar a síntese de vitamina D em detrimento à proteção contra o desenvolvimento do câncer de pele”, diz o médico. Além disso, é importante ressaltar que, mesmo com um fototipo mais resistente ao sol, pessoas negras também podem desenvolver o câncer de pele, especialmente o melanoma das palmas das mãos e plantas dos pés, conhecido como melanoma acral, uma forma mais agressiva da doença. “O Brasil tem populações distintas vivendo juntas sob o mesmo fator de risco, o que resulta nessa alta prevalência do câncer de pele no país”, completa o especialista. Em outras palavras, o cuidado vale para todos: as ações proativas como a prevenção e a detecção precoce podem salvar vidas – estima-se que, quando diagnosticado no início, o melanoma tem mais de 90% de chance de cura.
A seguir, o Dr. Maurício fala mais sobre o câncer de pele e as alternativas de tratamento. Confira!
Tipos de câncer
Carcinomas
Responsáveis por cerca de 177 mil casos por ano – de acordo com a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) –, os carcinomas basocelulares e espinocelulares são os tipos mais comuns. “Os carcinomas dividem muitas semelhanças. Ambos estão relacionados ao volume de exposição ao sol ao longo da vida e são muito mais incidentes em pessoas com pele mais clara. E aqui é importante destacar que a relação entre sol e câncer é linear, ou seja, quanto maior a exposição solar desprotegida, maior a incidência de carcinomas de pele”, diz o Dr. Maurício. Embora de simples resolução quando diagnosticados no início e com baixíssima chance de metástase, especialmente o basocelular, podem evoluir em lesões de difícil tratamento e altas taxas de recidiva, por isso devem ser tratados o quanto antes.
Além do excesso de exposição ao sol, outros fatores de risco são baixa imunidade, histórico familiar e idade, sendo mais comum em pessoas com mais de 50 anos e de pele clara. Os carcinomas podem ser indolores e se confundir com eczemas, alergias e outros problemas de pele, se manifestando como asperezas ou feridas que sangram e não cicatrizam.
Melanoma
O melanoma responde por cerca de 5% das ocorrências de câncer de pele, registrando cerca de 8 mil casos anualmente. No entanto, embora mais raro que os carcinomas, é muito mais agressivo. “Apesar de sua incidência ser baixa se comparado aos carcinomas, o melanoma é um foco de atenção por ser um tipo mais grave. É um tumor que faz metástase muito mais frequentemente e a mortalidade dele é bem mais alta do que dos outros tumores de pele. Por isso, o diagnóstico precoce é muito importante também”, diz o Dr. Maurício.
Os fatores de risco para o melanoma são: pele clara, exposição solar, queimaduras de sol frequentes na infância, muitas pintas e sardas no rosto e no corpo, bronzeamento artificial e histórico familiar. Os melanomas podem surgir de pintas que mudam de características ou de uma região de pele normal. Por isso, é muito importante ficar atento a mudanças em pintas e sinais já existentes ou em novas pintas.
“Mesmo para os carcinomas, a detecção precoce é fundamental. Isso porque, mesmo que as metástases sejam raras, se não tratada, a lesão pode aumentar, se tornando grave. É o que chamamos de tumor negligenciado.”
Dr. Maurício Muniz,
Cirurgião oncológico do Centro Especializado em Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz
Diagnóstico
Independentemente de uma mancha, ferida ou pinta suspeita, manter um contato próximo e rotineiro com o seu médico dermatologista é muito importante para garantir um diagnóstico precoce, já que nem sempre conseguimos dizer se temos novas pintas ou se pintas antigas sofreram alterações. E, claro, se desconfiar de alguma formação, procure seu médico a qualquer tempo.
O dermatologista, com o uso de um aparelho chamado dermatoscópio, vai examinar sua pele dos pés à cabeça (incluindo o couro cabeludo). Se houver algum achado, ele pode indicar a remoção ou monitoramento, ou, se for um câncer, encaminhar para um oncologista. No Hospital Alemão Oswaldo Cruz, o tratamento é feito por uma equipe multidisciplinar, ou seja, os especialistas trabalham em conjunto para decidir a melhor abordagem.
Tratamento
Cirurgia
O Dr. Maurício explica que, quando diagnosticados precocemente, tanto os carcinomas quanto o melanoma têm resolução cirúrgica com altas taxas de sucesso e baixa agressividade. No entanto, podem se agravar rapidamente se não tratados. “Mesmo para os carcinomas, a detecção precoce é fundamental. Isso porque, mesmo que as metástases sejam raras, se não tratada, a lesão pode aumentar, se tornando grave. É o que chamamos de tumor negligenciado”, diz o cirurgião. Isso implica em retiradas mais profundas ou extensas do tecido afetado, o que torna o processo de reconstrução mais delicado, principalmente em regiões mais difíceis, como o rosto. “E, mesmo sendo um acontecimento menos comum, o carcinoma espinocelular apresenta risco de metástase, principalmente para linfonodos regionais. Já para o carcinoma basocelular, este é um evento extremamente raro”, explica o Dr. Maurício.
Outro ponto importante a ser levado em conta no tratamento é a probabilidade de a doença voltar mais tarde, que pode ser frequente no câncer de pele quando não é tratado adequadamente. O principal fator de risco para a recidiva nos carcinomas é a persistência de células do tumor nas margens da cirurgia. As técnicas cirúrgicas atuais focam em avaliar 100% das margens cirúrgicas pelas lentes de um microscópio para não permitir que nem um resquício do tumor seja deixado para trás, podendo crescer novamente. Diferentes técnicas são eficazes nessa abordagem, desde que, avaliem a totalidade das margens, o que habitualmente não é feito fora de centros especializados. Nesse contexto, não podemos deixar de mencionar a técnica de Mohs. Essa foi uma das primeiras técnicas descritas que permitiam essa avaliação. Nesse método, o próprio cirurgião dermatológico habilitado para tal realiza a remoção do câncer e o encaminha para avaliação completa e imediata das margens ao microscópio, até garantir que as margens estejam livres – ou seja, que o tumor foi removido completamente –, para, então, dar início à reconstrução. Outras formas de avaliação completa de margens também são eficazes, sendo geralmente realizadas por um anatomopatologista, que realiza a análise microscópica, trabalhando em conjunto com o cirurgião. “É um trabalho refinado e minucioso, e essencial para considerarmos uma cirurgia bem-sucedida”, diz o especialista.
Já o melanoma segue uma rota diferente: diante da suspeita de um câncer após a dermatoscopia, o dermatologista solicita a biópsia para descobrir a natureza do tumor. “Se for benigno, a pinta já foi retirada na biópsia e o problema está resolvido. Agora, se houver malignidade, o paciente é encaminhado para a cirurgia oncológica”, explica o Dr. Maurício. Como o melanoma também tem alta incidência de recidiva, o procedimento deve levar em conta parte do tecido ao redor e abaixo do tumor – isso porque o melanoma cresce em largura e profundidade. “Existe um cálculo que determina quanto teremos que remover a partir da cicatriz da biópsia, incluindo a circunferência e as camadas sob a derme.”
Dependendo do grau de ressecção e do lugar em que a cirurgia foi feita, há o trabalho cuidadoso do cirurgião plástico – também um especialista essencial da equipe multidisciplinar – para garantir o melhor resultado estético e funcional desse procedimento.
E, ainda, de acordo com a gravidade/profundidade desse melanoma, será necessária a biópsia do linfonodo sentinela – a exemplo do que é feito em alguns casos de câncer de mama. “Como o melanoma tem mais chance de se tornar metastático, o estadiamento com a biópsia do linfonodo nos ajuda a determinar a agressividade da doença. Se o patologista encontrar células do melanoma dentro do linfonodo sentinela, então estamos diante de um caso mais agressivo”, diz o Dr. Maurício.
“Quando falamos em tratamentos, é importante levar em conta que cada câncer tem um padrão, então o tratamento deve ter estratégias que considerem a biologia do tumor, seu estágio, sua probabilidade de voltar no futuro e as características do próprio paciente, visando sempre a maior taxa de cura e a sobrevida com qualidade.”
Dr. Maurício Muniz,
Cirurgião oncológico do Centro Especializado em Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz
Terapias
Embora, como já falamos aqui algumas vezes, a detecção precoce seja sempre o melhor cenário, com altas chances de cura para todos os tipos de câncer de pele, o Dr. Maurício explica que, atualmente, as opções de tratamento são bastante avançadas, garantindo bons resultados até mesmo em doenças mais avançadas e/ou mais agressivas. “As terapias sistêmicas, como a imunoterapia e a terapia-alvo, são abordagens muito eficientes, que garantem uma resposta de qualidade em muitos casos, mesmo em lesões mais avançadas”, diz o cirurgião.
A terapia-alvo, como diz o nome, atinge apenas as células com a proteína BRAF mutada, preservando as células saudáveis. “É um tratamento excelente, via oral e com menos efeitos colaterais do que a quimioterapia tradicional. Porém, só funciona em melanomas que têm a mutação no gene.” Outra opção é a imunoterapia, com medicamentos que estimulam o próprio sistema imunológico a atacar o tumor. “A imunoterapia é usada em vários tipos de câncer e tem resultados muito bons nos casos de melanoma”, conta o Dr. Maurício.
Outro tratamento que pode mostrar eficácia é a radioterapia, tanto como técnica principal como complementar, nos diferentes tipos de câncer de pele. Além disso, o método se mostra especialmente eficiente em um tipo de tumor de pele muito raro e de difícil diagnóstico: o carcinoma de células de Merkel. O Dr. Maurício explica que, nesse caso, a radioterapia é fundamental para reduzir significativamente a probabilidade de uma recidiva. “Quando falamos em tratamentos, é importante levar em conta que cada câncer tem um padrão, então o tratamento deve ter estratégias que considerem a biologia do tumor, seu estágio, sua probabilidade de voltar no futuro e as características do próprio paciente, visando sempre a maior taxa de cura e a sobrevida com qualidade”, finaliza o cirurgião.