Saúde sem tabu
Vencer o preconceito que envolve o diagnóstico e o tratamento do câncer de próstata é fundamental para aumentar as chances de cura e reduzir a possibilidade de ter sequelas.
Segundo câncer mais comum entre homens no Brasil, o câncer de próstata, se diagnosticado no início, pode ter 90% de chance de cura. No entanto, a doença ainda enfrenta muitos preconceitos que atrapalham a detecção precoce. Antes de entrarmos nos tabus que circundam o tema, vale entender melhor o que é este pequeno órgão e qual é sua função no organismo: do tamanho aproximado de uma noz em homens jovens, a próstata é uma glândula localizada na frente do reto e embaixo da bexiga. Apesar de não ser essencial – no sentido de que é possível viver sem ela –, tem um papel muito importante na saúde reprodutiva do homem: além de produzir o fluido prostático, que protege e nutre os espermatozoides do sêmen, é também responsável pelo processo de ejaculação. E aí é que mora uma parte dos medos masculinos. O primeiro deles está no próprio exame físico, quando o urologista palpa a próstata em busca de um tumor. Simples, rápido, indolor e fundamental para a detecção precoce, o exame de toque ainda carrega diversos tabus, já que, para muitos homens, a ideia do contato íntimo assusta. Outro medo está associado ao tratamento da doença, que consiste na remoção da glândula e pode ter como sequela a impotência sexual. “A próstata representa a ideia de virilidade. E a virilidade é um campo identitário masculino. Então, são comportamentos que permeiam a forma do homem ser no mundo. Como ele se entende, se define”, explica o Dr. Alaor Carlos de Oliveira Neto, psiquiatra do Hospital Alemão Oswaldo Cruz. “O diagnóstico do câncer afeta essa ideia da virilidade, é um tabu para a masculinidade.”
Segundo o psiquiatra, esse temor de ter o ideal de masculinidade confrontado acaba gerando o comportamento evitativo – por isso tantos homens fogem do exame de toque. E não só: outros métodos diagnósticos, como o PSA (sigla em inglês para antígeno prostático específico), um exame de sangue simples, também são negligenciados muitas vezes. “Existem casos em que o homem não quer nem enfrentar a possibilidade da doença, prefere não saber”, diz o Dr. Alaor. “Acho que já houve um avanço importante na sociedade, as campanhas de conscientização ajudaram bastante, mas ainda existe uma parte muito significativa da população masculina, sobretudo os idosos, justamente o público mais suscetível à doença, que vivencia isso como um enfrentamento muito desafiador.”
“As angústias que o medo da doença ou o diagnóstico trazem são muito profundas e complexas, e ainda estão relacionadas ao momento de vida do homem. O primeiro impacto que o diagnóstico de câncer gera é a ideia da finitude, depois vêm outras preocupações que não devem ser negligenciadas, como a possibilidade da interferência na vida sexual. Então esse paciente também precisa ser acolhido em sua demanda psíquica”
Dr. Alaor Carlos de Oliveira Neto, psiquiatra do Hospital Alemão Oswaldo Cruz
Quanto antes, melhor
O problema de ignorar o rastreamento que deve ser anual para homens a partir de 50 anos ou a partir dos 40 anos para homens negros e/ou com histórico familiar é que, além de inacessível ao autoexame, o tumor na próstata é silencioso, só produz sintomas quando a doença já está em um estágio avançado, tornando-a muito mais difícil de tratar. Então, não é novidade que a detecção precoce do câncer de próstata é fundamental para aumentar as chances de cura. Mas, quando falamos também da dimensão emocional da doença, vai além disso: segundo o Dr. Ariel Kann, Head de Oncologia Clínica do Centro Especializado em Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, se feita no início, a cirurgia reduz ainda mais o risco de sequelas como a incontinência urinária e a impotência sexual. Já o câncer avançado pode gerar consequências incômodas. “O tumor avançado vai crescer dentro da próstata, podendo invadir a área do nervo, e aí esse paciente corre o risco de ter problemas de ereção”, diz o oncologista. “Além disso, um dos tratamentos para o câncer de próstata avançado é reduzir ao máximo a testosterona para que o tumor possa regredir. Aí entram o tabu e seu paradoxo: alguns homens não diagnosticam ou não tratam a doença porque têm medo que isso afete sua sexualidade, mas, quando o câncer chega nesse estágio avançado e passa a produzir sintomas, o hormônio masculino do paciente é suprimido, e aí, sim, sua sexualidade é profundamente impactada.”
“As campanhas de conscientização ajudam muito, mas existe um componente cultural muito forte ainda nesse tabu. Esse conceito de masculinidade precisa ser revisto, principalmente entre os homens idosos. Felizmente, as novas gerações têm uma mentalidade já diferente, mais acesso à informação e um olhar mais cuidadoso para a própria saúde. Imagino que os jovens de hoje terão menos preconceito com o exame de toque e com o tratamento lá na frente.”
Dr. Ariel Kann, Head de Oncologia Clínica do Centro Especializado em Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz
Acolher corpo e mente
E como lidar com tantas questões que envolvem o câncer de próstata? A resposta é complexa, mas, segundo
o Dr. Alaor, existe um ponto de partida fundamental. “Por meio do tripé: informação, acolhimento e tratamento. Pacientes oncológicos deprimidos que são amparados emocionalmente tendem a ter menos sintomas ao longo
do tratamento do que aqueles que não receberam orientações, por exemplo”, diz. “O acolhimento das demandas psíquicas para compreensão de um tratamento que engloba o indivíduo, e não apenas o diagnóstico que ele carrega, também auxilia no controle das queixas ansiosas e depressivas.”
SABER PARA SE CUIDAR
- O câncer de próstata atinge 1 em cada 7 homens
- No Brasil, são cerca de 60 mil novos casos de câncer de próstata todos os anos, de acordo com estimativa do INCA (Instituto Nacional do Câncer)
- Quando detectado precocemente, o câncer de próstata tem até 90% de chance de cura
- O exame de toque é indolor
- O rastreamento deve ser feito anualmente ou de acordo com recomendação médica a partir dos 50 anos
- Homens negros e/ou com histórico familiar devem fazer os exames a partir dos 40 anos
- A capacidade de ereção é preservada em cerca de 80% das cirurgias e o risco de incontinência urinária permanente é menor do que 5%