Câncer de próstata: informação salva vidas
Apesar de muito comum, o câncer de próstata ainda enfrenta diversos preconceitos e tabus que dificultam sua detecção precoce, fundamental para aumentar as chances de cura. Conversamos com o Dr. Ariel Kann, Head do Centro Especializado em Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, para entender as características da doença e os melhores caminhos para tratá-la.
LEVE COM VOCÊ. Por que o câncer de próstata é tão prevalente?
Dr. Ariel Kann: Um dos motivos é o envelhecimento da população. Antigamente, a expectativa de vida do brasileiro era por volta de 50, 60 anos. Hoje, chegamos na faixa de quase 80 anos. Em algumas regiões, como o Sudeste e o Sul, a expectativa de vida é bem alta. E, não apenas para câncer de próstata, mas cânceres em geral, a idade é um fator de risco. Se o homem envelhecer o suficiente, ele provavelmente terá câncer de próstata ao longo da vida. Outra razão importante é que, hoje, temos mais diagnósticos. Até a década de 80, não tínhamos o exame do PSA, que é um exame importante para a detecção precoce. A partir da década de 90, houve um grande aumento no número de casos diagnosticados. Posteriormente, outros métodos como ressonância magnética, tomografia, PET/PSMA e biópsia vieram e facilitaram muito o diagnóstico. Então raramente se diagnosticava a doença precoce no passado, só em casos já muito avançados. A partir do momento em que começamos a ter esses métodos e eles se tornaram acessíveis, passamos a diagnosticar muito mais casos.
Além do envelhecimento, quais são os outros fatores de risco?
A maioria deles ainda é desconhecida, na verdade. Sabemos que pacientes da raça negra têm uma chance aumentada de ter câncer de próstata e também de desenvolver tumores mais agressivos. Então homens negros precisam ser acompanhados ainda mais de perto. A hereditariedade também é um fator importante: para quem tem um parente de primeiro grau – um pai ou irmão, por exemplo – que já teve o câncer de próstata, a chance de desenvolver a doença aumenta até três vezes. Hoje sabemos que um gene chamado BRCA2 está bastante relacionado à hereditariedade em câncer de próstata. Portadores deste gene costumam ter a doença em idade mais jovem e casos mais agressivos. Este é o mesmo gene que, em mulheres, aumenta o risco de câncer de mama e ovário. Outros fatores que podem estar relacionados com a doença são a obesidade e o sedentarismo.
E, tendo esse histórico familiar, o que o paciente deve fazer?
Como já evoluímos bastante para saber quais são os genes que aumentam o risco do câncer de próstata, com o histórico familiar, o paciente pode fazer um teste genético, que é um exame de sangue simples, entender se ele pode passar esses genes adiante e fazer um acompanhamento mais precoce, a partir dos 35, 40 anos, dependendo do caso, e um check-up mais aprofundado – além do exame de toque e do PSA, um exame de ressonância, por exemplo.
No caso do exame de toque, o tumor precisa ter um determinado tamanho para ser detectado?
Sim, e também tem que estar em uma posição específica para que o urologista consiga palpá-lo. Quando o médico faz o toque retal, consegue identificar a parede posterior e lateral da próstata. Se o tumor estiver localizado longe dessa área, o urologista não vai conseguir sentir nenhuma alteração. Por isso é importante associar os métodos diagnósticos, principalmente quando o paciente apresenta um fator de risco.
E qual é a idade ideal para começar o rastreamento?
Depende. O câncer de próstata surge, no geral, entre os 65 e 80 anos. Não é impossível, mas é muito raro vermos a doença em homens com menos de 40 anos. No Brasil, a Sociedade Brasileira de Urologia definiu o rastreamento a partir de 50 anos. Homens negros e/ou com parentes de primeiro grau com câncer de próstata devem começar o rastreamento aos 40 anos.
O câncer de próstata é conhecido por ser uma doença silenciosa inicialmente. Quando começa a produzir sintomas?
Sim, é silencioso. Por isso o rastreamento é tão importante. A detecção precoce, assim como no câncer de mama, faz uma diferença absurda. A chance de cura, com a cirurgia, chega a 90%. Fazendo novamente a analogia com o câncer de mama, por meio do autoexame, a mulher consegue apalpar o nódulo em determinados casos. No caso do câncer de próstata não existe a palpação. O homem só vai ter sintoma e diagnosticar o câncer de próstata se ele estiver bastante avançado. Entre os sintomas, destaco a retenção urinária, por causa do fechamento do canal da uretra, ou, se o tumor invadir a bexiga, ele pode ter um sangramento quando urinar. Caso o câncer se espalhe para os ossos, que é uma ocorrência comum em doenças da próstata, pode causar muitas dores. Então os sintomas também dependem da progressão desse tumor. Uma questão interessante é que os homens, muitas vezes, evitam os exames e têm medo da cirurgia porque ficam preocupados com a potência sexual, sendo que o tumor em um estágio avançado cresce, pode invadir o nervo e gerar problemas de ereção – ou seja, o homem pode sofrer com a disfunção erétil justamente pelo câncer, e não pelo tratamento.
Quais são os tratamentos em casos iniciais?
No caso de um tumor precoce, o paciente vai ser operado ou vai fazer uma radioterapia, ou, ainda, associar as duas técnicas, dependendo do caso, e vai ser curado sem nunca ter sentido absolutamente nada.
E as terapias mais indicadas para o câncer em estágio avançado?
Antes de tudo, é importante dizer que, quando diagnosticamos um câncer de próstata avançado, a primeira coisa que temos que fazer é tirar a culpa desse paciente. Nem todo caso acontece porque o homem foi negligente com a própria saúde. Existem cânceres de próstata avançados em que o sujeito é cuidadoso, mas tem um tumor agressivo, que cresceu e deu metástase, mesmo ele tendo feito tudo certo. Também é muito importante destacar que o câncer de próstata metastático não é uma sentença de morte; é tratável e o paciente pode viver muitos anos com uma ótima qualidade de vida. Entre os avanços mais recentes, temos excelentes tratamentos e remédios para casos metastáticos, que vão muito além da quimioterapia, como a terapia hormonal, a radioterapia e a medicina nuclear, com o Lutécio-PSMA, além das medicações orais, que evoluíram bastante. Aqui no hospital, temos muitos estudos clínicos de câncer de próstata, investimos muito em pesquisa, em equipamentos para a doença de próstata avançada. Então os recursos para tratar esses casos nós temos, aí entra um pouco o meu papel como oncologista de manejar adequadamente o câncer e guiar o paciente para uma sobrevida longa e com qualidade.
“A detecção precoce é fundamental para aumentar as chances de uma cura rápida e tranquila, mas é importante ressaltar que temos, hoje em dia, excelentes tratamentos para casos mais avançados. O câncer de próstata, mesmo quando diagnosticado tardiamente, não é uma sentença de morte”
Dr. Ariel Kann, Head do Centro Especializado em Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz
Campanhas de conscientização, como o Novembro Azul, ajudam a derrubar o preconceito sobre o exame de toque e o tratamento?
Acho que as campanhas ajudam, sim, divulgam, conscientizam etc. Mas existem outras questões importantes, como a educação e as diferenças geracionais. Acredito que as próximas gerações vão ter uma cabeça um pouco mais aberta. Esse componente cultural relacionado à masculinidade ainda é muito comum. Um dado curioso é que vemos as campanhas funcionando principalmente com mulheres – mães, filhas, irmãs que insistem para os homens marcarem a consulta. Muitas vezes, elas próprias marcam e os levam ao urologista, mas está na hora do homem começar a cuidar da sua saúde.