O termo entra em pauta para identificar o preconceito que pessoas gordas sofrem na vida afetiva, social e profissional
Diariamente, pessoas gordas e obesas saem de casa logo cedo e sabem que vão encontrar pela frente desafios de todos os tipos: transporte público, escritórios, restaurantes e outros ambientes que não estão preparados para acomodá-las. Ainda pior: sabem também que vão ser alvo de piadas, julgamentos e ouvir de muita gente que precisam emagrecer. Esse preconceito tem nome. “Gordofobia é um neologismo para o comportamento de pessoas que julgam alguém inferior, desprezível ou repugnante por ser gordo. Funciona como qualquer outro preconceito baseado em um característica única”, explica o Dr. Adriano Segal, psiquiatra do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz. “Apesar de o nome ser novo, é algo que sempre existiu, a gula é até um pecado capital. Há estudos com universitários em que afirmam preferir se casar com traficantes ou bandidos do que com obesos”, diz o médico.
Em um mundo pouco adaptado a corpos gordos e em uma sociedade que institucionaliza o preconceito contra os donos desses corpos, navegar pelo cotidiano traz desafios de diversas naturezas, dos mais simples aos mais complexos. Comprar roupa, por exemplo, pode ser uma experiência desgastante emocionalmente, inclusive. A jornalista santista Flávia Durante conta que começou a engordar depois da faculdade e, ao longo de dez anos, ganhou 30 quilos. Mesmo bem resolvida com seu corpo, ela tinha dificuldade em encontrar roupas do seu agrado na pouca oferta do mercado. “Não deixei de fazer as coisas por ter engordado. Ia à praia, usava biquíni normalmente. O problema era encontrar peças que me servissem”, conta. Foi ali que viu que a exclusão sofrida pelos gordos não se limita a uma rejeição social, o próprio mercado propaga isso quando as marcas não querem ver seus produtos em corpos gordos, ainda que eles sejam uma parcela grande dos consumidores. Cansada da falta de opção e dos padrões extremamente excludentes do universo da moda, Flávia criou a Pop Plus Size, feira que, desde 2012, reúne em São Paulo expositores que fabricam peças com manequins acima de 44 e pensadas para diversos tipos de corpo.
Mais que isso: denominada como “feira de moda e cultura plus size”, a Pop Plus Size se posiciona como uma plataforma de fortalecimento da autoestima, empoderamento e respeito à diversidade.
Uma das frequentadoras assíduas da Pop Plus é Patrícia*, que hoje se sente muito bem com o próprio corpo, mas cita anos de terapia e a entrada para um grupo de teatro como iniciativas que a ajudaram a gostar de si mesma. Na adolescência e na infância, ela sofreu bullying por ser gorda, e a ignorância e o preconceito se manifestaram de diversas formas ao longo de sua vida: foi rejeitada pelas companheiras do time de vôlei, teve um relacionamento com uma pessoa que não se deixava ser vista em público ao seu lado e chegou a ouvir em uma entrevista de emprego para uma loja que não deveria nem se esforçar, porque não haveria uniforme do tamanho dela. “No meu trabalho atual, reparam e comentam sobretudo que eu como”, conta. “Estou mudando a alimentação por questões pessoais e vejo que as pessoas ficam surpresas quando me veem comendo vegetais. Já partem do princípio de que é porque quero emagrecer, me dão parabéns. E não é.”
*O nome foi alterado a pedido da entrevistada.
UM CRIME SUBJETIVO
A legislação brasileira não prevê uma punição específica para quem pratica gordofobia, mas há algumas proteções jurídicas. “É vedado pela lei que as pessoas sejam discriminadas na contratação e é função do empregador fornecer todos os materiais necessários para que o funcionário exerça sua função, inclusive uniformes do tamanho adequado para que a pessoa não passe por desconforto ou situação vexatória”, explica o advogado trabalhista Guilherme Mônaco, que é ex-obeso e viveu na pele o preconceito em diversas situações sociais. “Embora a gordofobia não esteja tipificada na lei, ela cai nos danos morais, que é quando a ação causa algum abalo psicológico”, explica, ressaltando, no entanto, que existem poucas medidas efetivas contra esse tipo de preconceito, sendo assim mais difícil de prová-lo. “A empresa pode simplesmente alegar que outro candidato era mais qualificado, por exemplo. E quem está ali para julgar é um juiz inserido na mesma sociedade que a gente, com os mesmos valores, ou seja, no mesmo contexto gordofóbico”, finaliza.
Se os critérios que definem uma ação de gordofobia ainda não são claros e o caminho parece ser longo, cabe a nós, como sociedade, lutar diariamente contra esse preconceito, seja no trabalho, nas relações sociais e, principalmente, entre as crianças e os adolescentes, orientando-os, desde cedo, a buscar ajuda ao sofrer algum tipo de assédio, a identificar um comportamento gordofóbico, a não naturalizá-lo e, sobretudo, não reproduzi-lo.
O QUE CARACTERIZA A GORDOFOBIA?
Na ausência de uma lei que regule esse tipo de preconceito e com a constante presença de stand-ups, programas de TV e filmes em que pessoas acima do peso viram alvo de chacota, a gordofobia está tão entranhada na sociedade que às vezes somos gordofóbicos sem perceber. Abaixo, algumas dicas para fugir de comentários e atitudes ofensivos:
- Não use a característica física para identificar uma pessoa, falando coisas como: “fulano é aquele gordinho ali”.
- Ser gordo não tem nada a ver com ser preguiçoso. Não associe as duas características.
- Não presuma que uma pessoa gorda é alguém que tenta emagrecer e está fracassando.
- Evite frases como “você emagreceu e ficou bonito”. A beleza não está só na magreza e muita gente perde peso de forma pouco saudável, por causa de distúrbios alimentares ou até mesmo depressão.
- Evite termos como “fofinho”, “gordinho” ou “maiorzinho”.